Que infinitos escondem essas minhas vontades, que
interesses encobrem os meus desejos e planos, que forças grandes jogam em mim
palavras de tal grosseria a inspirar sem poder os meus intentos de futuro, que
dinheiros escorridos pelos ralos eu perco todos os dias aumentando o que eu
pretendo diminuir, que amores perdidos, que por perdidos estarem continuam a
procurar incessantes sem sucesso até que no alto do patamar em desespero me
encontram, infeliz, louco e desvairado para lhes atender, lhes felicitar em
meus braços, então que se vá todo plano, toda vontade, toda grossa palavra, que
se vá o sentimento escondido, que se vá o matrimônio, os terrenos, em declive
ou aclive, que se vá o dinheiro rolando mais uma vez pelos sujos e podres
ralos, tão sujos e podres quanto essa vida sem aventuras, quanto essa minha
vida sem sonhos, tão inútil por chamar para si as verdades todas que não viram
mentiras jamais, e alimentam a cada dia uma utopia estranha e indolor, cavando
raízes fundas e fortes, para nunca saírem do chão, seu lugar.
Que buracos estes que você se joga quando passa por mim
em línguas esvoaçantes, que paixão desvairada é essa que mastiga há tanto tempo
e não tem a coragem necessária, a mesma que de mim também foge, de dar cabo ao
que te mal faz, que medo é esse de não relembrar as felicidades daquele tempo,
das cervejas geladas, dos risos fáceis, das tardes vespertinas em suítes alambradas,
presentes mil, garrafas de licor vinho vodka champanhe e o que mais quiser...
Que pretas lindas se acocoram a contemplar meu viver sem
furtivo sentimento a me dedicar, e eu na minha intensa saudade me coloco a
escrever podres e sujas linhas de palavras como fosse outros ralos só pra
dedicar um pouco mais do meu tempo escasso em lhes encher de lágrimas os olhos
como fora no tempo passado, como fora nos términos de casamentos, estáveis
casamentos em táxis de frota avulsa, como fora nos pequenos cômodos de
hospitais também avulsos, quarteirões de prazer a nos umedecer as roupas, por
cima de roupas baixas lingeries calcinhas sutiãs outras calcinhas biquines,
marcas de praia, pretas lindas do meu tempo distante.
Que seios rijos e loucas bundas a me guiar pelos escuros
do centro da cidade, imergindo em outras tantas lágrimas, essas sim, intensa e
verdadeiramente sinceras, as lágrimas mais sinceras que já puderam derramar por
este vassalo autor que vos fala, que seios rijos, vindos diretamente de algum
tipo de literatura mal escrita, que sofrimento, meu Deus, que dor, que útero
raso, e tantas histórias a serem escritas, e tanto pudor em palavras que me
deixo estar pois os anos não apagam as aventuras vividas muito menos a paixão
adquirida, metamorfose de carinho que nos engole nessas tardes de quarta feira
onde nada mais interessa do que dizer o que se pensa, onde nada mais é tão
importante quanto se cuspir o passado em letras para ferir com tesão o coração
esquecido...
Que espelhos nos mostram no dia de hoje essa felicidade? Que
aventuras o reflexo pode me mostrar? Mostra nada... na verdade o espelho me
mostra somente um cabelo cortado por grande ter estado, uma barba rala e feia
mal desenhada mas que agrada aos olhos de seu rosto, mostra um rosto roto gordo
flácido bochechudo, mostra pouca alegria, mostra quase nada, mostra felicidade
nenhuma...
Que me venham de novo então as aventuras que eu perdi ou
deixei escapar, que me venham todos os sentimentos batendo a minha porta, que
me venham sem medo de sofrer, pois meu carinho há de sobressaltar seus
desvarios de dor, mas que venham sim com suas lágrimas a lavar sem dó toda a
sujeira dessa minha chata vida, com o sabão da libido que lhes escorre pra dar
brilho ao chão que eu venho pisando há algum tempo.
E tenho dito, gata.
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