quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Cristina I

Então nos sentamos para conversar.
__ Fecha a porta depois que entrar.
Cristina estava passando dos limites, a pré-adolescência e toda essa explosão de hormônios com a qual ainda não me acostumei estava me estressando em demasia e o que mais me irritava era sua mãe gritando em meus ouvidos a todo instante: “Cristina está demais! Você tem que conversar com ela!”
Nunca fui um pai ausente. Pra ser mais sincero, acho que a mulher que mais amo é a minha filha. Tenho mãe e tenho esposa. Uma me deu a vida, outra me fez enxergar melhor essa vida. Mas ainda assim, um único sorriso de Cris e qualquer outro tipo de família é esquecida, um único sorriso da minha pequena princesa e o mundo há de parar pra que eu admire por mais alguns segundos toda essa perfeição que me dá tanto orgulho por saber que saiu de mim, que faz parte de mim de alguma forma, por saber que mesmo depois que, desse mundo, eu partir, um pedaço do meu corpo ainda continuará por aqui perpetuando tudo que já fiz e ainda hei de fazer.
Cristina é o que me falta.
Às vezes, eu te chamo Cris, um sonho que eu mesmo fiz, um tempo que vai começar.
Já começava naquela época da vida em que nada poderia lhe adentrar pelos ouvidos, fazia toda questão de não querer escutar o que era dito, respondia a tudo e a todos pois a convicção de suas verdades eram, com certeza, na sua cabeça, bem maiores do que a do resto do mundo. Meu sorriso se abria ao saber disso.
Pois é assim mesmo que eu era, assim mesmo que eu pensava e não havia pessoa qualquer que conseguisse mudar minha cabeça, não havia opinião qualquer que formasse minha mente, não existiam argumentos que fossem mais fortes que os meus. E que criatura eu fui colocar no mundo... ainda mais chata que o pai.
Sentou-se na cama e me olhou com aqueles olhos que só ela tem. Começou reclamando...
__ Pai, você tem que falar com minha mãe, eu não tô mais agüentando as coisas que ela grita, todas as ordens que ela fica me dando, nada que eu posso fazer, e eu já não agüento mais olhar pra esse apartamento minúsculo, essas paredes parecem que vão me engolir, eu preciso sair, eu preciso respirar, a escola está me matando, essas espinhas gigantes que não param de explodir na minha cara, você acha que é fácil agüentar esse tipo de coisa??
Papai entende tudo...
Mandei fechar a porta depois que entrasse justamente pra que ninguém ouvisse o que nós íamos conversar. Sempre foi assim, nossa conversa se resolvia entre dois, a filha do papai, e o papai da filhinha. Desde que o mundo é mundo, Cris é revoltada, porém meiga. Acredita em tudo que eu digo, assim como todas as outras mulheres que já passaram por minha vida. Fui claro e insincero ao máximo, pra ver seu sorriso mais uma vez:
__ Minha princesa, pode deixar que eu vou falar com sua mãe, eu sei que você anda estudando demais, mas tenta entender que ela tem aqueles problemas de cabeça e tudo mais, o remedinho que ela toma já vai ter a dose aumentada, e daqui a pouco ela fica sem voz de tanto gritar e você vai relaxar... prometo pra você que eu vou conversar com ela e tudo que você quer vai acontecer, só te peço pra esperar um pouco e tentar fazer tudo que ela pedir, do jeito que você sempre fez. Vamos sair mais, se você continuar bem na escola e namorando escondida, bem longe dos meus olhos. Vem cá, papai te ama, minha menina... você acha que eu vou deixar alguém bagunçar com a minha princesinha? Relaxa, domingo tem jogo do Flamengo e eu tenho dois ingressos pra gente... vai tomar banho pra gente jantar.
E a paz volta a reinar. Pelo menos, por mais uns três dias...

P.V. 09:40 25/11/10


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