Não que a vergonha da sociedade seja para mim um tipo de alegria, não que toda a verdade que o mundo começa a ver e já era vista por mim há tanto tempo seja algo que me traz felicidade, não que a desgraça do homem, do dito cidadão, do crápula marginalizado que acaba se fudendo, seja de alguma maneira o motivo básico do meu sorriso, mas devo admitir que ver um bando de vagabundos correndo desesperados com medo de morrer fez do meu dia um pouco mais interessante.
E todas aquelas músicas que exaltam os poderes e dizem, na pobreza das rimas, que a melhor coisa que existe é ser bandido, e que o tênis de marca no pé é o que há e nada mais pode ser melhor que isso, que as mulheres da comunidade lhe querem pois você está portando um fuzil no ombro e se faz superior aos outros por causa disso; onde está tudo isso agora que os vagabundos correm pelo morro, os olhos esbugalhados, o coração na boca, temendo serem alvejados pelos homens de preto que salvam a cidade do perigo, que evitam o mal propagado na sociedade, que livram o futuro das drogas e seus malefícios, o sistema que sustenta o sistema, e a unidade revolucionária que há de transformar os erros de dentro pra fora lavando com sangue as vielas da favela e a mente dos corruptos...?
Agora o fuzil está pelo meio do caminho, o vagabundo se esconde como um rato imundo e faminto que não tem para onde correr pois todas as saídas do esgoto onde vive estão fechadas, o mundo tornou-se pequeno, o antigo casulo de proteção agora pertence a quem sempre deveria pertencer, à sociedade que paga seus impostos, que acorda cedo todos os dias para trabalhar decentemente e ainda tem que passar pelo sufoco de driblar balas perdidas que os traficantes de merda teimam em disparar a fim de disputar os pontos de boca de fumo, os pontos de venda das drogas, a favela tal que pertence a tal facção... mas agora ninguém lembra das bocas de fumo nem dos pontos de venda de drogas, agora os vagabundos medrosos estão se mijando de medo dentro da casa de algum morador honesto enquanto os homens de preto vão vasculhando cada residência em busca dos marginais, enquanto o silêncio que precede a morte toma conta de toda a comunidade e a paz momentânea é gritada a fim de que alguma luz de esperança ainda caia sobre a cabeça de quem não merece luz alguma a não ser a luz do fogo do inferno.
Mas agora os vagabundos não têm mais as mulheres mundanas e interesseiras que lhes seguiam quando desfilavam com suas motos roubadas, seus carros roubados, suas armas compradas com sangue de inocentes, suas roupas de marca roubadas ou falsas. Agora as mulheres enxergam com outros olhos os vagabundos pois aqueles heróis que eram vistos não passam de restos de homens que correm afugentados e medrosos quando têm a certeza que o Estado maior sempre foi maior que qualquer tipo de poder paralelo, quando têm a total noção de que obedecer a um idiota em outro estado é a maior burrice que existe e não se deveria sequer tocar nesse assunto.
Pois se um imbecil que está preso num lugar onde nem sequer a luz do Sol é vista, num lugar de onde nunca sairá, de um lugar onde só consegue se chegar depois de fazer muita merda durante vida, se um imbecil desse porte me manda fazer um monte de merda e eu obedeço... Deus... o meu único destino é subir os morros desesperado com medo de morrer sabendo que a morte é a única coisa que eu mereço.
Toda revolução deixa cicatriz,
o sangue há de jorrar feito um chafariz.
P.V. 22:15 29/11/10
terça-feira, 30 de novembro de 2010
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