quarta-feira, 16 de junho de 2010

O escuro a Deus

Tava ali curando minha ressaca, minha bebedeira irresponsável do dia anterior, tentando esquecer todos os problemas que assolam essa minha vida adolescente e sem rumo, quando tocou ao longe numa caixa potente de som um desses novos funks, canções belas que transportam para as batidas o sentimento real da vida. Dizia o rapaz em sua letra bem elaborada: “Quer fidelidade, arruma um cachorro...!”
Ora bolas, mas até mesmo o funk vai me lembrar dessa perda terrível daquele que fora um dos mais importantes personagens da minha carreira de homem, um dos ícones da minha ascensão no high society do mundo cruel, aquele que sempre esteve lá mesmo quando era ausente, o que deixará saudade em meu coração.
Pois vejam vocês, seres terríveis dessa Terra maldita que só sabe formar malignos homens para comandá-la no futuro, o meu cachorro lindo e maravilhoso não tinha culpa nenhuma se o sistema falha, se a mão de Deus não pairava sobre suas mentes naquele momento, se as trevas se colocaram no local e caíram, pesadas, sobre a vida do meu pobre companheiro.
Não há espaço para mais tristeza, não há guerras nem dores no sentimento, não vamos mais baixar as cabeças deixando o provável acontecer pois não devemos nos intimidar perante às adversidades do que sempre soubemos existir. Foi uma linda vida, terás também uma linda memória.
Mas, de fato, as investigações devem ser levadas a sério.
Digamos NÃO à falta de impunidade e relaxamento nesse mundo, vamos correr atrás dos verdadeiros culpados do crime, levantemos hipóteses e causas que possam nos levar à solução de tal enigma.
Era um cachorro de família, sempre humilde em sua pacata vida, dir-se-ia até mesmo que não era muito chegado em uma labuta dada a sua extrema e eterna falta do que fazer, talvez o desemprego cada vez maior que não lhe dera oportunidade de almejar mais altos saltos. Nada disso justifica a maldade.
Sempre foi amado por todos, alguns gulosos queriam apertá-lo, assediá-lo, morder sua orelha. Algumas vezes mal criado, não queria obedecer a quem lhe ordenava simples coisas, mas tudo se entende pela idade e essa revolta normal que têm os adolescentes em querer contrariar tudo e todos.
Passava por transformações no coração, amava em excesso...
Sinto falta do meu cachorro.
Momentos como esse me dão ainda mais saudade.
Pois estava entalado de problemas, cachorro sem vergonha e safado que não sabia diferenciar as amizades, andava com quem não prestava, entrava em problemas dos quais sabia que não conseguiria sair, devia ter algum tipo de vontade de viver tudo que não vivera antes, como fosse pior que um cachorro de apartamento que não conhecia as ruas, a não ser pela televisão de 52 polegadas de seu dono, rico, morador da cobertura...
Dark, eterna paixão dos meus melhores anos, assassinado cruelmente por alguém ainda desconhecido.
Ouvi rumores de bala perdida, ouvi de outras bocas sobre uma discussão na noite de Natal que terminara na morte do meu filho, alguns disseram de latrocínio, outros de vingança... nada me ilude, nada me tira do pensamento a tristeza da partida precoce de quem fazia minha felicidade.
Safado, cachorro sem vergonha esse que eu tinha, Dark, menino bom, moleque de rua, amante das mais belas cadelas da favela, assíduo com seus latidos em partidas do Flamengo, fedorento como sempre, fugitivo dos banhos das segundas, guerreiro incessante e cruel nas corridas mais avassaladoras pela casa, derrubando tudo que estava pelo seu caminho até este que vos fala com lágrimas nos olhos de nostalgia.
Pois se foi, o baque surdo de seu corpo duro na pedra me lembra que era assim também em vida, na morte se revela, me visita sempre nos olhos felizes desses ou dessas que insistem em querer andar de quatro. Nada é substituível, muito menos o talento. Crescem ramas de grama onde jaz seu corpo, se foi pra nunca mais.
Porém continuam as investigações.
Fora o pó do bandido que lambera no momento em que o sujo nariz do viciado ia aspirar? Já passou pela minha cabeça essa possibilidade, de uma esquina perdida, talvez a minha, largada ao léu, na noite triste de Natal, nascimento de Jesus, morte de meu cachorro, homens de negro, portando armas letais, e Dark, solene, lindo e belo, escuro como seu nome, passeando alegremente depois da virada e de todas as festas, avistando ao longe aquele grupo de pessoas, felizes em sua ingênua cabeça, decide também participar da festividade, adentra a roda, os rapazes lhe felicitam, lhe jogam de lados para lados, brincadeiras sem graça para se fazer com um cão, uma carreira de pó branco numa planície de pedra, algo chamativo, tão claro, tão alvo no meio da noite, e Dark lambe... lá se foi a felicidade, uma pistola, um tiro, e cai duro, o cachorro da minha vida!
Bandidos safados!
Fico por aqui com as possibilidades primeiras de investigação, tenho medo de também me tornar uma vítima da sociedade violenta que vivemos, mais um arquivo morto, despachado, eliminado, assim como fora o cachorro da minha vida, assim como fora aquele que mais me amou em vida, aquele que me aceitara da forma errada que eu sempre tive, o bom e velho, sujo e risonho Dark...
P.V. 17:52 16/06/10

Um comentário:

Júlia Cavalcante disse...

morder o dark ..
só em meus sonhos agora ;\
ele era um bom menino, sujo e fedorento, mas um bom menino ... s2