segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O suicídio do anjo

'Mas hoje vou abrir meu coração e você vai ter que ouvir tudo que eu tenho pra falar... '
Dedilhei de leve a canção do falso loiro que não me agradava até dias atrás, porém, aos goles, vai me fazendo engolir as ditas palavras pra dar lugar a uma singela admiração. Mas são palavras bem delicadas que adentram no coração de quem as ouve e inspira a pretensão de quem tem, deveras, algo para dizer.
Tomei algumas decisões ultimamente, ainda que a melhor forma de expor tudo fosse daquela antiga maneira onde abordava atitudes drásticas e tudo mais, porém as conseqüências de tais atitudes trariam problemas inadiáveis e incabíveis nos poucos anos que ainda me restam, então, optei, intelectual, pelo caminho com menos pedras no chão... até mesmo porque meus pés não nasceram pra chutar para longe os obstáculos que me fossem impostos. Meus pés nasceram para saltitar loucos e devassos, brancos como as filhas da Mandioca de Macunaíma sobre tapetes vermelhos, amarelos e verdes, assim... coisas parecidas com as calças daqueles rapazes que cantam músicas chatas na televisão e vez ou outra me pego cantarolando.
Enfim. As atitudes drásticas foram postas de lado.
Tremi pelo meu fim, pela morte e tudo mais. Agasalhei-me e o frio passou.
Já não me deixo mais levar pelos instantes de raiva, sou todo um mar calmo e chato que não se levanta mais nas tempestades, sou todo uma planície descampada que não tem suas árvores arrancadas nos grandes vendavais, sou todo e somente um grão de areia que permanece no mesmo local depois de todos os milhões de anos, nada o incomoda, nada me transforma, nada o move, nada me mexe.
"E se um homem, pra ser homem, não precisa ter mil mulheres, apenas fazer uma feliz",
já não sei mais o que sou, se me encaro num desses espelhos jogados pela casa. Pois no distante passado, eu via imagens tais que me elevavam ao posto máximo do que é ser o predador, a espécie em sua mais pura forma, o macho dominante, e não havia quem dissesse o contrário, não havia quem me diminuísse, o medo havia, o terror havia, e os moleques rodeavam minha aura enérgica, almejando um dia se igualarem ao que eu era. Tempos bons, meus tempos de garoto.
Mas hoje eu atuo da forma como a frase pede, faço o que o mundo quer, deixei de lado as novecentas e noventa e nove mulheres pra fazer somente uma feliz. E olha que, modéstia a parte, seriam mil felizes se não as deixasse de lado. Porém ainda assim, não vejo um homem completo quando o espelho vem me mandar beijos, me cumprimentar pela manhã com um bom dia, e o que eu vejo lá naquele reflexo é sujeira, estranheza, falsa alegria que se transveste de estresse extremo e dores e lágrimas que não cortam mais os rios da minha face e só molham o rosto de quem eu amo.
"Já vi o futuro por cima do muro" e minha intenção dita a visão dos olhos, por isso a esperança é bem maior do que as barbaridades incríveis que estavam lá no quintal do vizinho. Teria pouco ou muito pouco a se fazer, ou sorrisos vazios para dar, se não fosse um maço de papéis que veio até minhas mãos no dia de hoje, e por eles, por mim, pelo futuro estranho atrás da parede de concreto da realidade e problemas eu consigo ainda notar que as manhãs podem ser boas, as tardes podem ser recheadas de descanso depois do almoço, ainda poderá haver algumas noites de Lua bem cheia e amarela no canto esquerdo da vista da minha varanda, ainda há esperança para que alguns fins de semana sejam marcados por novos lugares a serem conhecidos e desvendados, oro todos os dias pelos domingos, pelos bons vizinhos, pelo futebol que nunca soube jogar, pela cerveja, e que venha gelada por favor, que venha em dúzias, que saibam beber, que saibam concordar o verbo, que saibam entender as piadas, que riam mesmo que não haja graça, e que o dia acabe da mesma forma que começou, sem estresses, sem medos, sem brigas, com os sorrisos estampados; ainda tenho coragem suficiente de tentar assistir as incríveis matérias do Fantástico nos cansativos domingos, de terminar de ler alguns livros nas terças vazias, de escrever uns outros livros nas horas vagas, de amar, de ser feliz, de inovar na cama, e por falar em cama que venha aquela com as molas ensacadas pra que minha coluna não me abandone antes do tempo...
É fato concreto tão duro quanto o próprio muro que nada disso que foi dito estava lá do outro lado da parede quando, pueril, quis dar uma espiada no futuro. Mas eu vejo o que quero, entendo o que eu quero, faço o que eu quero, sou como eu sou. Ainda não dependo de ninguém pra ser feliz.
E um dia desses, fui abençoado por casos de caos, histórias bem contadas, e a conclusão sempre favorece quem tem a boa vontade de querer abordar o paralelo que lhe cabe. Fiquei sabendo por bocas confiáveis que um anjo caiu do céu. E por anjo ser, escolhido de Deus para tocar as harpas benditas, caído de tão sagrado firmamento nesse inferno que estamos vivendo hoje em dia, ouvi mais uma vez a perfeição da voz me dizendo que o anjo se entregou ao pecado. Talvez não fosse uma queda ocasional, talvez quisesse, de fato, cair e um suicídio premeditado ocorreu nos Céus depois de todo o estresse que a vida lá de cima proporcionou ao querido branquelo loiro de olhos claros e auréola na cabeça. Nem mesmo os anjos estão agüentando esse tipo de vida, nem mesmo os escolhidos pelo Dono do Universo estão mais aceitando o modo de vida que vão levando, se rebelam, se jogam das nuvens, caem por aqui pra viver o erro, o equívoco, onde ninguém lhes incomoda, onde não é necessário rezar todos os pai nossos quatro ou cinco vezes ao dia, não é necessário tocar a maldita harpa pra fazer do céu um lugar sagrado, não é preciso vestir aquela roupa tão branca a ponto de doer os olhos. Querem, os anjos, a mudança, o temor, o passado, a paixão no lugar do amor.
Que venham então.
O mundo é um convite a quem tem oportunidade.
P.V. 16:38 21/02/11

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