quarta-feira, 27 de julho de 2011

Vital e seu carro

Quis eu, e quando quero, quero muito bem, uma dessas potentes máquinas que andam milagrosamente sobre apenas duas rodas, deslizando solenes pela pista maravilhosa de nossa cidade, o novo projeto de asfalto liso e equivocado do governinho que assumiu outro dia, pra que meu corpo pudesse ficar à deriva em cima da velocidade fazendo com que esvoaçassem meus cabelos lisos com o vento forte que passasse por mim sem tempo de me cumprimentar dada a extrema rapidez com a qual romperia a barreira do som que não chegaria em meus ouvidos, infelizmente.
Mas quis, e ainda quero, o que me põe a escrever, pois da vontade de um homem como eu não se deve jamais duvidar, muito menos atiçar. Sinto-me tão sufocado por dentro por não pôr as mãos naquilo que tanto quero, sinto uma dor tão grande no fundo do meu peito por não conseguir êxito num desejo que se faz meu, me jogo no chão de tanta pirraça por mamãe não me dar o doce que tanto quero para fazer com que minha boca pare de salivar dentro do trem quando o moço passa gritando todas as delícias que cabem e podem ser penduradas num fio de aço...
É tanto que todas as possibilidades que se colocam na minha cabeça são extremamente erradas e mesmo assim me deixo levar pelo azul da moeda que não cai fazendo-me acreditar que de uma forma ou de outra a vontade é mais pura e bela que a razão, que os meses a seguirem-se com todos os pagamentos do tal boleto que adentrará minha caixa de correio no futuro serão muito ligeiros, a passarem sem que eu sinta, a fazerem-me sentar com uma quantidade relativa de KY e anestésico, de maneira que não sinta nada ao ser empalado devagar e sempre, transformando as minhas noites de intensa bebedeira, meus amigos nos fins de semana, minhas viagens de poucos dias com aquela que me acompanha, os cafés da manhã no centro da cidade ao lado dos boêmios da Lapa, tudo isso perdido pelo poder avassalador, não da moto, mas de minha imagem no topo da cadeia alimentar, quicando intenso sobre os quebra molas da minha tão querida Taquaral.
Pois não hei de trocar minhas felicidades variadas por somente uma alegria momentânea que pode até mesmo tirar de mim a vida tão querida. Não baixarei minha cabeça para essa dor pungente que me corrói o coração, afastando das minhas mãos o acelerador que me chama para rodá-lo na palma da minha intenção de ir ao infinito. Não vou levantar dessa cadeira e me deixar andar até a concessionária mais próxima afirmando para todos os vendedores que acabou de adentrar ali um servidor público federal, fato perfeito para que os bancos financiadores abram suas pernas e liberem todo o dinheiro que eu quiser.
Pois bem, estou muito mais do que satisfeito com minha Ferrari suja no portão de minha humilde residência, posso adentrar numa compra muito mais satisfatória com o dinheiro que pretendo investir no mês que se inicia, tudo posso em mim mesmo, e vou nessa batida pra que no futuro não corra riscos desnecessários tais quais aqueles pelos quais já passei num passado não muito distante.

Chamam-me Paulo Victor, dezesseis horas, cinqüenta e cinco minutos, terça feira maravilhosa de sol extremo, vigésimo sexto dia do sétimo mês de dois mil e onze.

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