Certa noite, dessas que parecem não ter mais fim, mas que ainda assim deixam marcas de tristeza por simplesmente sabermos que nada é infinito, estava eu e meu fiel escudeiro-aprendiz-irmão-brother-conselheiro a vagar na escuridão iluminada pelas mais variadas luzes de um certame do qual começo a dominar lentamente e vivi uma dessas experiências que não podemos jamais esquecer.Claro que sou desses que costumo não lembrar os exatos pormenores na manhã seguinte da noite em que os atos foram de fato efetuados, mas como ando prevenido com amigos que estão ali pra aguçar minha memória, pude estar aqui agora e relatar com os detalhes preciosos aquilo que foi feito durante a tal ocasião; gloriosa, diga-se de passagem. Eu, com minha incrível sagacidade, andava solto no meio da multidão, mirando sempre o horizonte pra não dar confiança a ninguém, até mesmo porque não iria gostar de me misturar com gente dessa laia, freqüentadores assíduos do local. Poderia, com um simples e inocente olhar, apaixonar uma das menores de idade que lá estavam a se chacoalhar, vulgarmente chamadas por uns e outros de 'novinhas', e isso seria, pra mim, uma grande derrota, visto que uma vez apaixonadas essas meninas realmente sofrem com uma verdade que não querem acreditar.
Pois bem, andava eu, já precavido a respeito das 'novinhas' com meu fiel escudeiro, quando de repente vi um vulto, um vuco-vuco, uma nuvem de felicidade a pairar sobre meu ser quando deparei-me com o passado; a nostalgia de um sorriso ao longe fez meu coração bater mais rápido trazendo à tona saudades de um tempo em que nem tudo era tão sério, da mesma maneira que não era mais fácil, mas mesmo assim era longínquo, e tudo aquilo que há tempos não temos, nos trazem o interesse. Vi minha amiga Bianquiinha no meio daquela multidão, já tomada pelo terrível vírus dessa tal de micareta que come o cérebro deixando no seu lugar o som inigualável do axé fucking music from Brazil.
Corri, fui em sua direção trazendo pelo braço, o fiel escudeiro que justamente naquele momento fazia algo do qual minha pessoa desaprovava. Estava ele a apaixonar sem dó nem piedade uma das 'novinhas', erva daninha que parecia brotar do chão a devorar sem dó nossa consciência, flor da juventude que ainda era regada de hormônios mais fortes que nunca naquela ocasião onde o vinho sagrado de Baco já tinha sido jogado sobre nossas pétalas.
Quando gritei seu nome, Bianquinha olhou-me com desconfiança, mas logo a seguir reconheceu em mim aquele jovem promissor, estudante de enfermagem sempre dedicado aos livros que havia conhecido há alguns anos. Grande futuro, ela achava que eu teria, porém via-me ali agora jogado ao léu, irreconhecível em uma roupa que todos usavam, inebriado pelo sangue da uva que, dos pés das mais belas mulheres da Itália era amassada, pra que chegasse e fosse apreciada pela minha boca, sedenta. vermelha e carnuda.
Foi uma alegria só, beijos e abraços, saudades e recordações, básicas perguntas feitas a todos que se encontram depois de muito tempo. Vistas as apresentações necessárias, chegou a hora de conhecer aquelas que eram as tais fiéis escudeiras de minha amiga. Do mesmo jeito que eu carregava um ao meu lado pra que me segurasse caso o álcool, bobo, quisesse me dar uma rasteira, ela também tinha as suas. Ela deveria ter duas fiéis escudeiras porque deve beber mais que eu e o seu respectivo álcool deve dar uma banda ainda mais forte que em mim.
Conheci Alineziinha, menina legal que fala pouco, observa muito e logo foi atraída pela beleza exagerada de meu amigo Allanzinho que, sem perder tempo, começou a jogar em seus ouvidos palavras que antes, durante algumas semanas, ficamos decorando frente ao espelho pra poder dizer naquele dia. Somos espertos.
Então conheci a menina Leiliinha.
Menina Leiliinha estava ali deslocada, no seu jeito tímido de ser segurando a câmera e registrando em uma máquina digital aquilo que acontecia no momento. Claro que meu instinto UCMlístico não deixou-me ficar parado e, talvez por isso, que mantive-me a balançar-me de lados para lados seqüencialmente enquanto falava coisas das quais não me lembraria se não fosse sua ajuda no dia seguinte. O que me impressionou logo de primeira vista foram seus olhos que fuzilavam os meus com uma sede, com uma fome, com alguma coisa que não sei dizer o que era. Quase perguntei se em sua casa não havia comida, dada a fome com que suas órbitas oculares fitavam-me.
Fui educado e limitei-me a elogiá-los como todo cavalheiro faria.
Via que seus olhos ficavam pra lá e pra cá a me encarar pois eu também estava pra lá e pra cá. Devia ser o instinto UCMlístico? Talvez seria o ritmo alucinante do Funk fucking music from Rio de Janeiro? Talvez fosse alguma urticária presente em minha cueca naquele momento? Essa última opção cai por terra, pois acabo de me lembrar que não utilizava qualquer tipo de roupa íntima naquela ocasião, a não ser uma calcinha que havia ganhado de uma menina alguns instantes antes e guardara em meu bolso; um presente pra que me recordasse de seu odor na manhã seguinte e seguisse onde meu faro me levasse, assim talvez chegasse ao canil em que ela estava morando. Não sei qual era o motivo, só sei que me balançava.
Era hora então de dizer-lhe a verdade. Há algumas semanas já havia procurado um psicólogo, mas o seu ordenado me deixara um tanto quanto decepcionado e decidi deixar pra uma melhor ocasião esse papo de querer me consultar e dialogar sobre meus problemas internos. Abri-me pra menina Leilinha. Disse que era um príncipe e que estava caçando a minha princesa. Coisa verdadeira, visto que esse era mesmo o único motivo da minha presença naquele recinto. Certa vez um amigo disse-me que uma micareta era local de se conhecer pessoas e ficar bem íntimo delas mesmo que seja por um instante. Essa coisa me interessou e então parti em direção à primeira micareta que vi na minha frente. Foi quando disse isso que Leilinha começou a rir descaradamente de minha cara, o que avermelhou minhas feições...
Pensei por dentro em sair correndo dali, refugiar-me em algum lugar distante, talvez uma caverna onde ninguém pudesse me ver, tal era a tristeza que se abatia sobre minha alma no momento. Então, minha antiga amiga Bianquinha me chamou de lado e disse: "Liga não, Pauliinho, essa menina é maluca..."
Aliviei-me.
Eu, que tímido nasci, e tímido morrerei, não queria encarar aquela pessoa que acabava de conhecer pois seus olhos eram profundos, sérios, loucamente tarados. Disse à amiga Bianquinha que sendo assim iria beijá-la na boca pois não queria mais vê-la rindo de mim, nem pra mim, teremos que dar uma nova função aos lábios, bem melhor que falar, mais prazeroza que rir.
Fechar os olhos e esquecer o que acontecia do lado de fora. Deixar o tempo passar por nós e simplesmente mergulhar de boca no que não existe. Pensei em tudo isso naquele milésimo de segundo e, quando menos esperava, estava alucinadamente engolindo salivas e mordendo línguas.
Pulei sobre Leilinha e agarrei-a com força. Experiência acumulada dos anos em que era adepto da poligamia, bons tempos. Estávamos ali naquele lésco-lésco infinito quando lembrei-me de minha batalha, lembrei-me que a guerra ainda estava a explodir por todos os lados e não poderia deixar que o inimigo vencesse enquanto encontrava-me ocupado, lembrei também que minha busca eterna pela princesa não havia chegado ao fim, lembrei do fiel escudeiro que ainda jogava palavras doces no ouvido de Alinezinha e tendo tudo isso armazenado na memória depois de tantas coisas a lembrar, depedi-me de menina Leilinha, a qual deixei sorrindo ainda mais do que quando, naquela clareira aberta no meio da multidão, achei quando chegara.
Subi em meu cavalo e parti rumo à esperança; acompanhado do fiel escudeiro, segui as batidas dos sons que gritavam por todos os lados. No caminho ainda senti o tal odor que havia sido programado pra sentir no dia seguinte. Mas era a filial no meu bolso que cheirava e não a empresa matriz, que a essa altura já deveria manter um novo aroma, do qual não gostaria de experimentar.
Adeus, crianças... No Jammil, estarei de volta.
P.V. 22:10 08/01/09