sábado, 27 de junho de 2009

Vagão do pagode

E vinha inebriado.
Só isso e mais nada, se é que é preciso dizer algo mais sobre uma pessoa que está inebriada. O amor fica mais claro em minha mente nesses momentos eternos que nunca acabam com a licença do pleonasmo. O que sou é simplesmente ocasião do momento e já não respondo por mim pois olho em todos os lados, todas adireções que me são dadas pelos que me cercam.
É do amor que disserto sempre. E é dele que continuo a dissertar pois fico em êxtase quando me vem na cabeça todos esses sentimentos ao mesmo tempo. Não sei distinguir a verdade da ficção e caio sempre na mesma amardilha que se põe na minha frente. Tudo aquilo é real, e mais, torna-se surreal frente aos meus virgens olhos.
Queria eternizar tudo isso, uma vida repleta de alegria por todos os lados, por mais que a mentira se fizesse presente em alguns locais escondidos do vagão. E a locomotiva do destino não há de fazer paradas jamais, pois é no futuro que devemos chegar, e a pressa nos impulsiona com tamanha ferocidade que a inércia, filha bastarda da Física, nos joga ao chão, a esperarmos somente.
Ali e aqui, pessoas diferentes, vozes a gritar, outras a sussurrar, meus ouvidos tudo veem, meus olhos atentos só sabem escutar; minha boca contenta-se em beber.
O grupo que vem solto e escandaloso, com as cartas da vida na mão, jogam a cada rodada as damas e os reis da esperança e, incrivelmente, sempre ganham pra alegria total dos que fazem parte da trupe. E há amor ali. Eu vejo que por trás de todo aquele disfarce, os olhos se encontram em algumas oportunidades, se cruzam mas não querem se tocar, têm medo. As seis pessoas formam um número par, justamente o que o amor precisa pra se estabelecer, pra dar frutos, pra crescer ordinariamente para todos os lados, em todas as direções, fazendo sobrepor-se somente a carta que contém o coração.
E o casal que permanece sentado em minha frente luta contra a crise do sentimento que sempre há de atingir aqueles que tentam seguir um rumo a dois. Prefiro não comentar pois o muro é estreito demais para meus pés e a intenção seria de cair para um dos lados e não mais me levantar. Sei que tudo é muito difícil, e nessas coisas de monogamia fica ainda mais complicado. Mas a loira era tão linda que me perdi nos seus azuis olhos sem dar atenção ao seu companheiro que parecia abalado após receber algum tipo de notícia um tanto quanto ruim. Levantou-se e partiu, sem se despedir, indício sério de fim de relacionamento. Característica romântica, a interdição do sentimento.
Mais ali atrás onde o barulho se propagava, estavam os camaradas que não querem nada mais do que gozar a felicidade de uma sexta feira, o último dia de sofrimento de quase todos os trabalhadores que dão o suor pelas migalhas que o capitalismo e seus porcos oferecem. Nada mais do que segurar firme suas respectivas latinhas de cerveja, tanto quanto eu segurava a minha, e gritar as alegrias que prometia o fim de semana, as mulheres do sábado, o jogo do domingo, as noites mal dormidas, as eternas manhãs e a ressaca tão aguardada. Se pessoas felizem existem, ali estavam.
Um olhar cruzava o vagão e se esbarrava com o meu, que já inebriado como foi dito, não tinha para onde fugir, senão se encontrar e permanecer ali estático, admirando belezas que se batem. Mas não pretendia mais do que simplesmente olhar; olhar e ser olhado é das coisas mais belas que se pode fazer dentro de um vagão quando da alegria sem lembra o sorriso passado e a perfeição retida dentro de um corpo ainda maltratado pelo trabalho diário. Vejo muito mais que isso. Era linda...
Tinha olhos lindos...
P.V. 18:07 27/06/09