quarta-feira, 28 de julho de 2010

Não sonho mais

Foi um sonho medonho desses que, às vezes, a gente sonha e baba na fronha e se urino todo e já não tem paz...
Estava lá o autor das simples palavras preparado para deitar-se em seu leito de sono profundo, louco para que os olhos se fechassem num fim que terminaria na manhã seguinte depois do árduo dia de trabalho, sufocante, intenso, quase extenuante, uma vez que é visto agora num serviço público de âmbito federal muito querido pela maioria da população, tudo o que a sociedade sempre sonhou em ter, porém não conhece o ossos duríssimos do ofício, ainda mais num local destinado à Ortopedia, o que torna ainda mais rígidos os tais ossos...
Dormi fácil.
Pomarolla, no auge de todo esse poder que cai de suas mãos, nessa dependência enorme de tudo que lhe circunda, com todas essas novidades que vão pingando de cantos em cantos do destino, com as surpresas que cada esquina lhe reserva, com essa mania feia de se colocar na terceira pessoa e gritar ao mundo como se não o conhecesse tão bem quanto um reflexo de espelho num quarto iluminado qualquer, quem sabe com bombons em cima da cama, adormeceu num sono perfeito e lindo, a boca aberta, rios de baba rasgando-lhe os lados dos carnudos e vermelhos lábios, a sede do travesseiro saciada... e vai sonhando...
Foi uma coisa medonha.
Ia correndo como quem corre no meio do mundo inteiro, foi uma pressa como não poderia haver em parte nenhuma do planeta, foi coisa medonha e estranha, nenhum compromisso justificaria tanta pressa e queria um trem, um trem de candango que era um bando, mas era um bando de orangotango que queria pegar o meu bem.
Durique
e toda sua intensa loucura de estar caminhando, solene, no seu tão bobo passo de menina pós adolescente. Senti fome...
E no mais, no momento em que o sonho me mostra a contradição, como fosse estar ao seu lado, como fosse matar minha saudade, resolvi matar minha fome e me juntei aos macacos, aos orangotangos, aos humilhados, morto-vivos, aos flagelados malditos que me davam motivos mil para te esfolar, só por querer te esfolar, só pra justificar a graça que me fez acordar rindo e a certeza do que não existe.

Quanto mais Durique corria, mais Durique ficava, mais Durique atolava, mais Durique se sujava, Durique fedia, empesteava o ar...
Não há, então, compaixão no meu coração, não há nada além da fome e da sede de lhe esfolar e o mundo a nossa volta e tudo aquilo que ia acabando e o fim da ribanceira, e não havia mais para onde correr, não havia saída, não havia parada, não havia Sol, nem Lua, nem olhos que pudessem enxergar de modo diferente. Ao pé da ribanceira, acabou-se a liça e escarrei-te inteira, a tua carniça e tinha justiça nesse escarrar pois havia raiva nas intenções.
Sempre tão valente, sempre tão forte, chorou de joelhos, pediu piedade, olha que maldade, me deu vontade de gargalhar.
Mas o gargalhar foi mais forte que o escarrar, os orangotangos famintos com suas garras prontas para dilacerar a presa, o ódio crescendo em volta de tudo aquilo, a realidade da vida se mostrando aos nossos estranhos olhos, o intento de se querer e a vontade certa de se ter em tão pouco tempo... e atacaram.
Enchi-me de algo ainda sem nome, deixei de lado o que estava sentindo, coloquei forças além das minhas e não pude deixar que fizessem o que queriam fazer com a mulher da minha vida. Ataquei aqueles macacos dos infernos, capetas comedores de banana malditos, pus meu corpo de aço na frente de Durique e golpeei um a cada vez, dividindo um soco para cada cara peluda que tentava passar por mim e eles voavam, caiam por trás de mim no intenso desfiladeiro que crescia às nossas costas. Queriam mais, não desistiam, babavam de fome, queriam a carne da minha princesa, tive mais força, avancei para cima das dezenas de esfomeados e fui cruel o suficiente para pôr fim a todos eles, com o sangue de seus corpos sujando minhas mãos doloridas...
E no fim, restavam somente eu, e Durique, em prantos, desesperada de medo, correndo para os meus braços, tremendo e soluçando como de costume...
Algo borbulhou dentro de mim, o medo de antes tomou conta do meu corpo, vi pouco ou quase nada, a cegueira quase me fez enxergar além, e a fome voltou. Era ela ali nos meus braços, só minha, só pra mim. Não havia choro nem piedade que me fizesse voltar atrás dessa vez.
Te rasguei a carcaça, virei as tripas, desci a ripa, comi os ovos e o meu povo pôs-se a cantar...
Foi um sonho medonho desses que, às vezes, a gente sonha e baba na fronha e se urina todo e já não tem paz. Pois eu sonhei contigo e caí da cama, ai amor não briga, ai não me castiga, ai diz que me ama e eu não sonho mais...
P.V. 09:48 28/07/10

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