sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Tô na boa X Elite - parte 1

Por mais que a ciência imagine o contrário, posso ser vários ao mesmo tempo e diversos corpos podem sim, ocupar os mesmos lugares no espaço.
Adoro a noite, sou amante assumido da clareza que somente a Lua consegue jogar aqui embaixo. E é nessa escuridão maravilhosa que a luz vive a sua plenitude pois ela manda em todos que dela dependem. Assim como eu, pois sou nada sem meus olhos. Seria um inútil com ferramentas que não posso usar.
Eis que toda alegria brota do chão quando a sexta feira acaba e o dia raia no sábado de manhã. Eita, que esse sábado promete. É dia de festa, festa é amor. É dia de amar. Amores nas suas mais diversas formas rolam nesse dia. Eu vivo todos eles.
Rio de Janeiro é lugar de felicidade e quando passa das 18:00, corpos esquentam-se com todo o calor da paixão certa que está pra acontecer em instantes. Todos têm a certeza de que a noite entrará pra história só pelo simples fato de envolver música, luz, barulho, bebidas e tudo mais que somente o amor sem vergonha pode nos dar. E vivemos à base desse amor vira-lata, sem causa, sem pudor, perdido nesse matagal de beleza que o mundo traz sempre que tentamos aparar as pontas do que ainda está pra crescer. Aparar a grama do que nos cerca é atitude preventiva pra que dê tudo certo no futuro. Mas isso não vem ao caso. O que tô aqui pra dizer é justamente o contrário, por mais incrível que pareça. Sou sempre assim, contraditório.
A galera se arruma, se enfeita, se embeleza, se perfuma. Pra quê? Pra ter mais chances de ser feliz. De fato, dá certo. Duvido muito que alguma menina queira alguma coisa com quem anda fedorento, feio, mal arrumado e com hálito podre. Até têm algumas loucas, mas não vem ao caso citar nomes.
Eu vivo observando, sou um grande observador do mundo moderno e vejo todos esses jovens que, como eu, vivem à procura de liberdade e de, um dia, poderem contar histórias para seus filhos, talvez netos. É certo que são jovens, desmedidos e até mesmo retardados, porém não poderia nunca criticar algo que eu já fui, ou ainda sou.
Uma festa que marca a história, uma festa que traz o duelo entre duas massas de música, dois estilos distintos que o povo festeiro adora. Na verdade, esse povo gosta de qualquer coisa que seja alta e piscante. E se toca tudo isso misturado no meio de toda aquela gente fervendo e pulando como pulgas a se coçar, a coisa fica doida e tudo parece ser tão ótimo quanto um dia no paraíso.
Eu, vendo todo esse movimento, admito que senti uma ponta de inveja. Claro, sou humano, também tenho meus defeitos, minhas vontades, meus desejos secretos. Queria fazer parte da massa dançante alucinada que parecia crescer desenfreada e se atirava de lados para lados numa sincronia inexistente. Ai, como eu queria estar me mexendo. Mas via tudo aquilo, via calado, via parado, via ouvindo atentamente.
E são coisas engraçadas que esse jovem perturbado fez nesse fatídico dia. Desorientado, talvez mal criado, e até destrambelhado, pra não dizer piores coisas a seu respeito. Mas o defenderei. Sempre defendo esses pobres coitados sem destino, nem rumo. Ninguém gosta de andar sozinho, muito menos ele. Ele que sempre dependeu da gozação de seus amigos pra ser feliz. Não que ele gostasse de toda aquela avacalhação sobre seu ser, por seu formato redondo, por seu cabelo escorrido, por seu andar robótico afeminado, suas idéias estúpidas e frases mal colocadas em situações ainda piores. É que ele só tinha isso na vida e disso que iria viver, pois sem isso nada seria, nada teria. Que vida mais cretina, depender do mal que lhe fazem. Também não poderia colocá-lo como total vítima, sempre devo ficar em cima do muro, ainda que já tenha admitido minha intenção de defender o desgraçado (coisa que até agora, não fiz). Tentava sempre responder à altura, por mais que nunca conseguisse. E o maior número de amigos engolia e abafava suas pretensões tímidas de crescer em algum zoador. A falta de argumentos também era um fator triste em sua trajetória. Nem sei o nome desse cara, mas observo. Sempre observo e vejo muita coisa em pouco tempo, em muita análise.
Ele e seu bonde chegaram, enfim, na tão esperada festa. Show marcado, o Sol ainda era dono do dia quando os burburinhos começavam a se formar do lado de fora do privilegiado espaço que é a melhor casa de eventos de Campo Grande. Todos os vendedores alucinados por vender seus produtos alcoólicos maravilhosos pelos preços mais ordinários possíveis. Quatro latões de cerveja por 5 reais. O homem que faz isso deveria virar santo, ter seu espaço no céu garantido para toda a eternidade.
O bonde todo, somente homens (o que já discordo) resolveram se embebedar. Nada mais correto. Latas e mais latas das cervejas mais vagabundas, aquelas que mais baratas são. Os que querem ter seu dinheiro encerrado mais rápido compram Ices pra mostrar pras meninas que são playboys (o que dá certo em 97% das tentativas). Playboys da favela, pobres, mas têm orkut, jovens que não tiveram oportunidade na vida e enxergam somente um futuro que é o dia de amanhã, como irão acordar, o que irão tomar pra curar a ressaca. Jovens muito mais felizes que os playboys de fato. Nosso amigo problemático, idiota toda vida, como era de se esperar, não sabe beber. Acha que o álcool foi feito pra matar sede e bebe até sarar sua mazela. Coitado, já não sabe mais o que vê. Mas isso não é motivo de tristeza, pelo contrário. Quanto mais tontos ficamos, melhor pra acompanhar o ritmo alucinante dos funks cada vez mais cretinos e sujos, esses que adoramos.
Sua primeira discórdia social do dia. Desorientado pelos litros de cerveja ingeridos, o Fulano foi comprar o famoso melzinho, aquele líquido bonitinho e colorido quem vem naqueles canudinhos de plásticos super longos. Um melzinho pra coroar o dia. Um melzinho que faz um zangão sorrir. Um melzinho que leve a alegria pra toda a colméia a cercá-lo. E o moço, gentil, vendeu-lhe o melzinho. Em suas mãos, um erro, o melzinho deveria ser inofensivo. Mas ao jogar o melzinho pro alto pra começar a ação de chupar seu interior, não percebeu que à noroeste vinha uma cabrocha loira e magra a sorrir loucamente depois de ter beijado algum gatinho sem conteúdo. Pobre menina. Teve seu olho perfurado pela ponta fina e terrível do melzinho que nesse momento era jogado pro alto, mas sem contar com uma brisa infernal de leste a oeste que deslocou o artefato para a vista ainda jovem da garota. Uma dor. Um grito. Um xingamento:
__ Filho-da-puta!!! Você é cego??
E se foi, do mesmo jeito que chegou, mas dessa vez já não mais ria. Ia xingando e chutando o chão com raiva, amaldiçoando o dia de nosso amigo por ter acertado em cheio seu olho esquerdo. Sem ação, Fulano ficou parado vendo a cena que acontecia por sua culpa. Seus amigos já estavam até mesmo estranhando a demora por algum caso como esse e não perdoaram o pobre sujeito. A zoação foi total. Os gritos eram altos, pareciam animais em cima de uma presa indefesa a se curvar cada vez mais para baixo como procurando ajuda no chão. Depois de alguns minutos, nova ordem estabelecida.

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