sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Na subida do morro

Pois eu subia o morro voltando de mais um dia longo da labuta de sempre quando os compadres do samba dominical assobiaram em meus ouvidos que você, cretino, havia agredido a mulher minha, a preta Durique que tem seus cabelos duros, mas coração mole... Veja que não aprovo a ideia de um homem esbofetear a mulher do homem alheio, pois é do meu bolso meu que parte o dinheiro que sustenta essa nêga. E nem quero saber o motivo que levou o senhor a sentar a mão em minha respectiva companheira, visto que a surra foi tão acentuada que quase despiu as vergonhas da infeliz, esta mesmo que por pouco não batera as botas em consequência de tamanha judiação. Ficam claras em minhas palavras que não foi de meu agrado todo esse acontecimento dentro do morro em que fui criado e achava ser respeitado, portanto, depois de refletir por dois segundos, cheguei à conclusão de que ia, de fato, mandar o senhor para a terra de pé junto, a lhe tornar em um defunto.
É realmente muita coragem de sua parte fazer coisa desse tipo pois sabes que já fui um mau elemento que encontra-se agora recuperado. Com toda a minha malandragem, já dei muito trabalho aos homens de preto ou cinza. Até mesmo naquela oportunidade em que, no meio da roda de samba, o dono da favela, por não ter a ginga do pagode no sangue, pisou em meu pé esquerdo e, apesar de todos os seus perdões e desculpas, um murro de meu potente braço beijou-lhe a face sem dó nem piedade.
E veja, homenzinho, com tudo isso que o povo já sabe, mesmo com toda a minha malvadeza mais do que evidente, jamais, eu disse jamais, abusei de uma mulher que fosse de um amigo. Justamente este é o motivo de toda a minha zanga, de toda minha raiva e ódio. Mas vejam só... animo-me agora pois passa por minha cabeça um pensamento tão maravilhoso que falta-me o ar pra tentar pronunciar as próximas palavras. Pra lhe castigar irei te deixar todo cortado. Meto-lhe o aço no abdome e tiro fora o seu umbigo.


Aí meti-lhe o aço, quando ele vinha caindo disse:- Morengueira, você me feriu.Eu então disse-lhe:- É claro, você me desrespeitou, mexeu com a minha nega. Você sabe que em casa de vagabundo, malandro não pede emprego. Como é que você vem com xavecada, está armado? Eu quero é ver gordura que a banha está cara!Aí meti a mão lá na duana, na peixeira, é porque eu sou de Pernambuco, cidade pequena, porém decente, peguei o Vargolino pelo abdome, desci pelo duodeno, vesícula biliar e fiz-lhe uma tubagem; ele caiu, bum!, todo ensangüentado.E as senhoras, como sempre, nervosas:- Meu Deus, esse homem morre, Moço! Coitado, olha aí, está se esvaindo em sangue- Ora, minha senhora, dê-lhe óleo acanforado, penicilina, estreptomicina crebiosa, engrazida e até vacina Salk.Mas o homem já estava frio. Estava na horizontal...
Agora, o malandro que é malandro não denuncia o outro, espera para tirar a forra.

Pois então acalmei as velhas senhoras que se colocavam todas em pranto desesperadas pelo defunto que jazia ensanguentado no chão daquele morro que sempre me foi quintal das piores aventuras que se possa escrever. Dei-lhes a ordem de jogar terra naquele sangue ralo e sem cor do vagabundo que mexeu com a minha preta e parti rumo ao desconhecido sem nome pra que não me achassem jamais os homens da lei que já iam se chegando todos devagar subindo as ladeiras pra averiguar os motivos de tal crime cruel. Pois eu deixei lá com as senhoras a mensagem subliminar do malandro que tira a forra com o otário:
_ Diga ao delegado que era um malandro apaixonado que acabou se suicidando...!
P.V. 19:00 06/11/09

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