sábado, 6 de fevereiro de 2010

E foram dadas as cartas...

Mas sentaram-se na mesa e já iam logo percebendo, aqueles que tiveram a chance incrível de poder observar tal embate pós vida, que seria um duelo histórico jamais visto em toda a existência desses homens. Formaram-se as trevas no céu que cobria suas cabeças, uma branca, outra quase calva, como fosse o prenúncio de uma batalha infernal e terrível que só chegaria ao seu fim quando um dos oponentes abraçasse a morte de novo.
A vida de ambos sempre foi feita de desafios e grandes aventuras. Não havia de ser diferente depois de partir daquela para essa melhor.
Pois o primeiro comprimentou e o segundo respondeu:
__ Bom dia, Seu Oscar.
__ Bom dia se não chover, Seu Luís.
E foram dadas as cartas...
Há de se levar em conta todos os antecedentes que determinaram essa partida inesquecível. Não que seja somente a mente de um rapaz com nada para fazer e um pensamento de que deveria ser escrito esse duelo para que se eternizasse o instante, nem uma raiva entre ambos os oponentes para que se chegasse a uma conclusão sobre o melhor. Foi só um passeio de manhã num domingo desses do céu onde se esbarraram duas das celebridades do local e resolveram jogar uma partida inocente de buraco.
Por falar em buraco, já nem sabemos mais de qual forma se deu a escolha pela abertura ou fechadura da partida; sabemos sim que as cartas eram dadas e jogadas ao desdém, como blasfemassem no firmamento, como se burlassem as regras do jogo, num ritmo frenético de inteligência pura e desmedida.
Os leigos que olhavam de fora não tinham sequer noção do que estava acontecendo. Era uma sequência louca e intensa de cartas caindo na mesa, de jogos sendo arriados, de sorrisos falsos nos cantos das bocas dos oponentes como se quisessem intimidar e diminuir as esperanças de vitória do outro.
Os senhores, já com a idade avançada, por mais que não quisessem assumir, já urinando no pé, já com dificuldades para andar, problemas de visão... pareciam verdadeiros gladiadores sentados naquela mesa, guerreiros eternos donos de suas próprias e infinitas forças.
Disse Seu Oscar:
__ Ora Seu Luís, não há de ser nada se sua pessoa sofrer uma derrota para mim, já que tenho tanta experiência, já que vim dos longínquos fins do nordeste, já que sempre fui o mais brabo dos jogadores de baralho...
E respondeu Seu Luís Manoel:
__ Veja bem, meu filho, vá deixando de prosa e continue jogando pois o tempo passa e a vitória se aproxima das minhas mãos...
Mas os homens eram realmente imbatíveis. Todos ao redor ficavam com suas respectivas bocas abertas e os queixos caídos, surpresos com cada jogada realizada, cada pensamento perfeito e previsão de bote que poderia ser dado, tudo calculado metodicamente na cabeça de cada um desses senhores, reis do que faziam melhor.
Não há espaço para mais pormenores, não há mais do que dizer quando se trava a batalha dos séculos entre os dois homens mais intensos que aquele firmamento já pôde observar, entre os donos do local, assim chamados após chegar. Diz a lenda do céu que quando por lá chegou Seu Oscar, já lhe foi reservado um trono e seu único pedido foi que mandassem preparar outro em sua frente e uma mesa no meio, pois dentro em pouco já estaria subindo seu adversário maior, para que pudessem medir forças em nome do domínio total.
Pois chegou Seu Luís e disse que em cadeira mandada ele não sentava. Foi dono de tudo e respeitado por todos enquanto vivo; nada poderia mudar enquanto falecido. Com o revólver 38 na cintura, chegou dando ordens para que trouxessem um trono digno do malandro que sempre fora e que não se demorassem mais do que o tempo necessário a preparar uma bela batida de maracujá para comemorar essa nova fase que ia adentrando sem vontade de voltar atrás.
Agora já duelavam e como numa partida de pênaltis que só há gols, iam contando pontos, igualando placares e alimentando na cabeça dos espectadores que aquele jogo talvez nunca tivesse um fim onde somente um pudesse sair vencedor.
Dias se passarão, as Luas que iluminavam suas cartas subiam e desciam aos céus, encobriam-se pelas nuvens, deitavam-se com o Sol e mais outras vezes voltavam sem que os dois homens levantassem daquela mesa ou sequer tirassem os olhos da cartas que continuavam caindo com a velocidade supersônica.
Não temiam pela saúde, pois nada pior que a morte poderia acontecer. Só o cigarro de Seu Oscar e sua fumaça inebriante o alimentavam pra que a guerra pudesse ser alongada durante o tempo em que calculava chegar à vitória. Só a batida de maracujá, mexida à mão, de Seu Luís era necessário para que forças não lhe faltassem até que alcançasse o tão esperado êxito em sua empresa.
Já não se interessavam mais, os transeuntes, com os dois senhores sentados à mesa jogando, já não assistiam mais ao duelo intenso, passavam pelo local como se nada estivesse acontecendo, enquanto os jogadores travavam um verdadeiro embate mental a cada descida de cartas... Nem Deus quis entrar no assunto e dar fim ao que parecia ser maior que Ele.
Contam os donos do futuro e do destino que ainda estão por lá, Seu Oscar e Seu Luís, jogando como fosse a primeira cartada; e a mesa elevada ao supremo do céu já é vista como uma obra em movimento, uma estátua na falsa inércia, um ícone de persistência e teimosia que sempre foi característica dos dois maestros em toda a sua vida, conservados em forma de garra após a morte.
P.V. 18:44 06/02/10

2 comentários:

Unknown disse...

PUTA QUE PARIU!!!!!!!!!!!!!
UM EMBATE DE TITÂS.
CARA, MUITO BOA MESMO
E OS AVÓS ESTÃO IMORTALIZADOS EM SUAS LETRAS.PERFEITO!!!!!!!!!!

KM disse...

FIQUEI ATÉ C/ MEDA..
PENSEI QUE ÍA SAIR MORTE NESSE JOGO.
MAS AFINAL COMO ELES MORRERAM HEIN? ESPERO QUE UM NÃO TENHA MATADO O OUTRO NO FINAL DA PARTIDA. RS*