quarta-feira, 19 de maio de 2010

O dia C IV

O mundo ainda não entendeu todas as minhas intenções, e isso realmente preocupa meu pensamento que já não se contém sempre que começo a conjeturar sobre o que ainda está por vir, sempre que não consigo ficar calado vendo o passado se distanciar sem o seu devido reconhecimento. Algumas vezes me irrito com tudo que acontece, mas justamente nesse momento do pensamento, onde a raiva ia tomar conta de mim, fui iluminado por uma voz dentro do vagão que ia gritando aos berros: “Bala Halls, 1 é 50, 3 por 1 real!”
Vejam os senhores, e senhoras, algumas senhoritas, poucas virgens, que nada mais eu fazia do que estar sentado a pensar nos meus próprios problemas e complexos, quando aparece-me essa mulher louca e insensata a gritar em meus ouvidos, a tirar-me o sono, a fazer brilhar meus olhos com toda sua elegância e magnitude na arte do comércio popular. Surpreendeu-me com sua promoção maravilhosa na qual deve lucrar muito durante um longo dia de trabalho. Admito que cresci meus olhos em seu dote que poderia me ser passado se algo mais sério como um casamento acontecesse entre nós. Mas precisava de um pretexto para me aproximar, para trocar palavras, para obter sua boca na minha e apaixoná-la marcando sua vida para todo o sempre dentro daquele trem do amor que corria nos trilhos de nosso destino. Pensei em dizer isso que escrevi agora, mas não tinha certeza se funcionaria. Achei melhor comprar o produto.
__ Se três balas são um real, você me vende cinco por um real e cinqüenta?
Foi o bastante para que parasse em minha frente e dialogasse comigo sobre as leis da matemática e tudo que envolve os negócios, lucros e despesas, promoções, capitalismo, a lei da procura e da oferta, o início do Mercantilismo em Portugal e seus parentes burgueses antigos da distante Europa da Idade Média. Disse que se sentasse, que ficasse mais um pouco, que chupasse mais uma bala, por que não? Fui direto ao ponto, não deixei de ser franco.
__ Sempre gostei de bala Juquinha, mas o seu Halls meu conquistou...
Brilharam seus olhos com tamanho elogio que era agora dirigido a sua pessoa. Peguei em sua mão, não senti a recusa. Beijei-lhe. O hálito não era dos melhores. Ofereci uma de minhas balas recém compradas. Fomos até a estação derradeira num beijo eterno que só era interrompido para trocar o sabor da Halls em nossa boca. Experimentamos todas; melancia com goiaba é a melhor.
Pois desci na Central do Brasil, enquanto ela voltava no mesmo trem pra dar continuidade a sua rotina diária de trabalho da mesma forma que eu também ia dando continuidade a minha. Deixem-me fazer um adendo aqui nesse momento, pois não me calo perante os percalços da vida, não me deixo levar por pequenos detalhes e algumas ocasiões são propícias para que as dúvidas sejam completamente extintas ou então, pelo menos, explanadas. Estava lá na Estação Central do Brasil e lembrei-me quando, ainda jovem, ainda criança, sempre ouvira falar dessa tal de Central do Brasil. E já tinha noção de tudo que me entrava pelos ouvidos sabendo associar cada palavra a sua origem, ao seu significado puro, tão puro quanto minha alma. Se tinha na escola aulas de geografia, ficava com medo de questionar o professor se o centro do nosso país situava-se assim tão perto de nós, somente alguns minutos dentro de um trem e lá estaríamos nós, no coração desse Brasil brasileiro. Uma grande falsidade essa tal de Central do Brasil, coisa boba pra enganar crianças inocentes como eu sempre fui.

Um comentário:

KM disse...

CENTRAL DO BRASIL.. KKKKKKKKK
ESSA FOI BOA, AMOR.. rS