quarta-feira, 19 de maio de 2010

O dia C VI

Mas seriam só pensamentos jogados, seriam coisas tão incríveis e difíceis de se tornarem reais que me cansaria só de pensar, me cansaria de conjeturar as possibilidades de realização num singular infinito. Pois bem... que venha o coletivo, que venha o plural e me leve além. Talvez seja esse o intuito desse dia que amanheceu ainda agora, nos primeiros raios que o Sol tem coragem de jogar sobre nossas cabeças; na minha não, pois já me encontro dentro do vagão do metrô, meio de transporte tão horrível dessa nossa cidade linda.
Enfim, o hospital, segunda casa onde mato-me de trabalhar para conseguir, sem sucesso, pagar todas as contas do início do mês.
São tantas as intenções, são tantos medos que ainda carrego dentro de mim que miro horizontes diferentes enquanto troco minha roupa nesse vestiário, não tenho coragem de encarar o espelho temendo as dores que eu causaria em mim mesmo, me vejo pronto para adentrar no recinto laboral, o centro cirúrgico que me aguarda saudoso, os amigos funcionários que também bem me querem, a dor que não me deixa, o medo de ser feliz, o antigo reflexo do espelho que me segue, intenso, o dia vai passando, as coisas vão levando a tristeza, o tempo, rei em todos os aspectos, mostra que o relógio pode ser o maior aliado na missão de fazer esquecer, e a médica vai por ali anestesiando a paciente, preparando tudo para que seja dado o início de mais uma cirurgia, uma intervenção, o bisturi que rasga a pele como rasgam também meu coração em cada uma das esquinas que caí no dia de hoje, mas a médica precisa atender uma chamada importante, abandona a sala, me pede para tomar conta da paciente.
Deus não entende... jogou mais uma esquina no meu colo.
Meu coração sempre tão fraco, e essa beleza toda jogada em cima da mesa cirúrgica. Queria nomes, queria informações, queria motivos, quis tanto, e ela, tonta pelo começo do efeito de todas aquelas drogas administradas, não sabia muito bem o que dizer; senti um pouco de tensão em minhas palavras, algo como uma covardia no que estava prestes a acontecer, algo como se não fosse eu mesmo quem ali estivesse, mas vejam, nada mais estranho do que estar ao lado de uma bela mulher num momento difícil de sua vida, nada melhor do que dar o apoio necessário, nada melhor do que poder ajudar quem tanto precisa, uma mão firme para apertar, um conselho saudável, um corpo quente...
Fui logo abordando as possibilidades de erros fatais naquele procedimento cirúrgico, falei de minha experiência, disse de quantos pacientes vivos vi entrar, e da quantidade absurda de pacotes que fui obrigado a executar após aquela cirurgia que era tão complexa. Lacrimejou, a moça. Temeu pelo seu futuro. Disse-lhe, enfim, que a morte não era das piores coisas, que o céu deveria ser um bom lugar para morar...
Propus-lhe as coisas que ela ainda não tinha feito, e que fizesse logo, antes que algo desse errado e, talvez, fosse tarde demais. Olhou-me com uma cara de devassa, não sei se por vontade louca, se pelo efeito de toda a anestesia que corria em suas veias, e não abria muito bem os olhos, e parecia piscar um pouco com o cílio esquerdo. Foi a deixa perfeita. Beijei-lhe a boca, subi em cima daquela mesa cirúrgica, estreita é bem verdade, conhecida por ser de “solteiro-solteiro”. Não vinha ninguém, o chamado, resultado do motivo de ter feito a anestesista sair em disparada da sala, devia ter sido bem sério, aproveitei o quanto pude. A paciente, indecente, aceitava tudo que eu fazia, todos os meus movimentos insanos, passiva, quieta, parada talvez até demais. Exaltei-me, pequei por excesso, um lance mais rápido, trepidamo-nos ao chão!
Deus, que loucura, tudo isso! A paciente anestesiada, caída ao chão, eu por cima de seu corpo, ouvi passos em direção à sala, martelou loucamente meu coração, temi pela saúde de meu salário no começo do mês, mexe comigo, mas não mexe com o leite dos meus filhos, num instante hercúleo (momento cultura, joguem no Google pra saber o que significa) de um só pulo, com uma única braçada, pus novamente a doente sobre a mesa de cirurgia, subi minha calça que estava pela metade das pernas, dei uma ajeitada básica nos cabelos da indefesa anestesiada adormecida e fiquei em posição de esperada ordem. Adentrou com seu andar conhecido, anestesista de renome, perfeita na execução de sua função, e foi dando continuidade ao que tinha parado alguns minutos antes...
O mundo das conquistas anda cada vez mais perigoso. E o perigo me excita. Procurei uma calça mais larga...
Como era de se esperar, terminou em pouco tempo a tal cirurgia, tudo correu bem como sempre ocorrera, a vida ia andando devagar nesse dia que daria muito o que dizer um tempo depois...

Um comentário:

KM disse...

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
UMA PACIENTE ANESTESIADA?!
QUE CRUELDADE!!!
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

PEGOU PESADO! KKKKKKKKKKK