quarta-feira, 19 de maio de 2010

O dia C IX

Não me agüentava mais naquele lugar, precisava sair, fugir dali,vestir minhas roupas, seguir o rumo de casa, já passava da hora do fim do plantão, me sentia bem, era um novo homem, revigorado, cheio de soro em minhas veias. Levantei-me, parti!
O mundo anda tão calado, o mundo anda tão passivo, ando muito mais feliz do que ontem, esse dia de hoje provou a mim mesmo que o mundo pode ser meu, e o controle sobre todas as minhas emoções será sempre possível, ainda que crises de sentimento ocorram em uma ou outra oportunidade. Fico feliz de chegar nessas conclusões, ficaria ainda mais feliz se o caro leitor, se a querida leitora, pudessem entender metade do que tento dizer.
Se o mundo entendesse, se as pessoas tivessem noção do amor ao próximo, se pudéssemos reservar só um mínimo do nosso tempo para dar atenção a quem nunca a recebe, se parássemos e refletíssemos por alguns instantes sobre tudo que estamos fazendo há tanto tempo, se entendêssemos que o erro é recorrente, o equívoco é gritante, talvez a vida fosse mais linda.
Beijos e carnes não significam nada. Nada mesmo. O que existe é o sentimento.
Desci as escadas, burlei o elevador, quero viver os pequenos momentos, fui embora do local de trabalho com um sorriso no rosto, satisfeito com a vida.
Qual não foi minha surpresa quando vi o que vi, quando dei de cara com tal cena na rua que me espantou ferozmente, que me deixou intensamente tonto e desnorteado. Coisas que jamais poderíamos entender, jamais poderíamos sequer imaginar, a vida dá voltas. Momentos de tensão, drama, suspense até mesmo. Não soube o que fazer. Faltou-me a respiração.
Alinhadas, numa fila, uma ao lado da outra... Perereca com sua garrafa de cachaça na mão, cambaleante ainda; a bela trocadora da estação de trem, um sorriso no rosto; a camelô, humilde em suas roupas maltrapilhas, algumas balas ainda por vender; a pedinte, eterna calada com sua lata repleta de moedas; a paciente, que evolução na melhora, a perna enfaixada, uma bengala a apoiando; Dona Florinda, olhos profundos, tesão na boca, a colher de feijão no bolso do avental; a técnica em enfermagem, loira dos olhos azuis, o estetoscópio em volta do pescoço.
Não vi o chão. Não vi mais nada. A emoção foi ao seu ápice. Caí e não mais me levantei.
O atestado de óbito marcou, insano e verdadeiro, causa mortis “Amor em excesso”.
P.V. 22:00 19/05/10

Um comentário:

KM disse...

CAUSA MORTIS.. AHHH
MORRETIS.. rSrS