A fome é dessas coisas que se fazem necessárias ao homem, não só a mim, como a todos os outros, e também como a todas as mulheres. Pois em dado momento do dia, quando se despede a manhã pra dar lugar à tarde, vamos todos, famintos e intensos, como formigas trabalhadoras, a fila perfeita, a intenção única, saciar o desejo do corpo, coisa básica do ser humano. Momento propício para o pensamento, uma vez que ia só, uma vez que os companheiros, ocupados, não puderam me acompanhar nessa ocasião pra que eu dividisse com eles tudo que permeia em minha mente, tudo que entra em ebulição dentro de mim, meus segredos mais profundos que vou, agora, dedilhando aos vossos olhos, leitores assíduos de minhas melhores palavras.
Tendi para lados opostos, ganhei muito do que queria, conquistei o mundo e na minha mão faço de fantoches os amores guardados na gaveta mais suja do meu coração. Não pensem, queridos leitores, que me orgulho de certas coisas que digo, não pensem em suas cabeças vazias que minha vida foi marcada de alegrias inebriantes, que as lágrimas que corriam em rostos alheios traziam sorrisos ao rosto meu, não pensem, se por acaso forem capaz de tal ação. O amor ainda é das coisas que menos entendo, por isso ultrapasso momentos, ultrapasso etapas, piso no amor, e parto para sentimentos maiores e mais sinceros.
Porém da fila eterna, com a bandeja na mão, com a fome na boca, com a intenção da paixão, avistei aquela bela mulher, apelidada Dona Florinda pelo irmão das palavras bíblicas, o avental azul, o negro cabelo enrolado com henê da Amazônia, atrás da bancada que separava nossos corpos, o calor da comida que subia das grandes panelas queimava-lhe o rosto que se já se fazia queimado há tanto tempo, o calor provocava a sudorese, suava como um porco aquela bela idosa com a concha de feijão na mão a servir todos os populares, a força de trabalho desse hospital gigantesco.
Notou minha presença, viu minha fome em seu corpo ser maior do que a fome no arroz branco que jazia embaixo de suas mãos, deu-me olhares de canto do olho, percebeu, dada a experiência de sua vida de paixões, provavelmente tão ardentes quanto o tempero daquelas coxinhas de frango mais deslocadas para a esquerda de seu corpo. Passou a língua pelos lábios, lambeu os beiços, talvez uma ou outra gotícula de suor que caía de seu nariz avantajado; arrepiam-me os pelos de todo o corpo de lembrar dessa sensualidade.
Foi chegada a minha vez, estávamos, então, frente a frente, olhos nos olhos, quero ver o que você diz, temi por um instante, mas logo retornei ao poder que me pertenceu desde sempre, pedi mais uma colher de farofa.
Olhou-me nos fundo da retina, via fogo na sua vista, queimou-me o sentimento por um breve momento, foi enfática, talvez a mais devassa de todas, negra linda idosa, na flor da idade, gemeu palavras:
__ Você não aceitaria uma outra coisa, além de só mais uma colher de farofa...?
Caí...
Os amigos, conhecidos de vista, levantaram de suas respectivas mesas, acudiram-me, levantaram meu corpo, mas as forças fugiram de minhas pernas, meus olhos miravam um horizonte desconhecido, não lembrava sequer onde estava, um copo d’água, mais um copo, logo apareceu um aparelho, aferiram minha pressão, puseram-me sentado, balbuciava palavras sem nexo, não me entendiam, chamaram o administrador geral do Hospital, pediram um leito para meu descanso. O homem, intenso em sua ordem fatal, ao ver-me, ao notar meu estado, mandou prepararem logo um quarto para mim, mandou vir o melhor dos médicos, disse que um de seus mais assíduos funcionários mereceria o melhor, retificou suas últimas ordens, que fosse arrumada uma suíte para esse homem fraco, sentado num banco solto do refeitório, e uma cadeira de rodas apareceu, fui levado embora, não sem antes ainda olhar para trás. Sorria seu sorriso terrível, Dona Florinda com seus cabelos enrolados, negra insaciável, arrancara-me a saúde, deliciosa...
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Um comentário:
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
DONA FLORINDA, A MULHER DELICIOSA.. KKK
ISSO QUE É PODER PRA DERRUBAR UM HOMEM ASSIM HEIN.. rS
FOI A MELHOR PARTE..
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